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segunda-feira, 19 de março de 2012

CBF pós-Teixeira vai virar uma Faixa de Gaza, diz repórter do 'Estadão'

Sílvio Barsetti lembra de relação difícil do ex-dirigente com imprensa, cita furo da exclusão do Morumbi e destaca perfil da revista 'Piauí'

Por Leonardo Filipo Rio de Janeiro
Cobrindo a CBF há mais de 15 anos, a carreira do repórter Silvio Barsetti, do "Estado de S. Paulo", se confunde com a gestão de Ricardo Teixeira na entidade. Em 1988, ainda estagiário do "Jornal dos Sports", Barsetti acompanhou os preparativos da disputa que levaria Teixeira ao poder no ano seguinte. O então iniciante jornalista viu os candidatos Octávio Pinto Guimarães e Nabi Abi Chedid desistirem da disputa e o novo presidente ser aclamado. Em um dos primeiros contatos com o dirigente, experimentou o estilo pouco afeito ao relacionamento com a imprensa.
- Eu lembro que fiz uma pergunta, acho que sobre a eleição dele, que ele me humilhou. Me deu uma "voadora no pescoço". Comecei a gaguejar, queria fugir dali. Mas não fiquei com raiva. Várias vezes ele me tratou mal, vária vezes me tratou bem. É do jogo. Teixeira já era avesso nas primeiras entrevistas. Talvez por insegurança ou pouca flexibilidade. Ele cortava no meio as perguntas e respondia com certa dose de agressividade as perguntas que o incomodavam – disse Barsetti.
Na última quarta-feira, dois dias depois do anúncio da saída de Teixeira da CBF, o repórter da sucursal carioca do “Estadão” esteve no “Redação SporTV”. Afirmou que a renúncia do dirigente havia sido decidia em outubro do ano passado e que a carta lida pelo atual presidente da entidade, José Maria Marin, estava pronta desde antes do carnaval.
Depois do programa, Barsetti conversou com o SporTV.com sobre os seus anos de cobertura da gestão do ex-homem forte do futebol brasileiro. Lembrou do furo de reportagem ao anunciar a exclusão do Morumbi como estádio da Copa de 2014, apontou a reportagem da revista "Piauí" fundamental para a queda do dirigente e contou como é circular pelos bastidores do poder no futebol brasileiro. Para o futuro, deixou uma pergunta no ar para Teixeira e deu sua opinião sobre como será a CBF daqui por diante.
Sílvio Barsetti, repórter do Estado de S. Paulo no Redação SporTV (Foto: Leonardo Filipo/SporTV.com)Sílvio Barsetti, repórter do 'Estado de S. Paulo' no 'Redação SporTV' (Foto: Leonardo Filipo/SporTV.com)
Vai mudar alguma coisa na CBF com a saída do Ricardo Teixeira?
A curto prazo não muda. Mas aquilo ali vai virar um barril de pólvora, uma Faixa de Gaza. Já está havendo uma disputa embrionária pela disputa do poder. Isso vai se avolumar. O Marin não tem perfil de comando, nem o Marco Polo del Nero (presidente da Federação Paulista de Futebol). Está claro o poder do Marco Polo del Nero, braço direito do Marin. Ontem (terça-feira) o Marin foi à CBF se apresentar funcionário por funcionário, e o Polo foi junto. Essa relação mais do estreita dos dois não nutre simpatia de algumas federações, como as do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Bahia. Uma minoria, mas são as federações mais fortes do país.

O que você perguntaria para ele neste momento?
Não é possível imaginar que o homem que dominou o futebol brasileiro vai sair faltando dois anos para a Copa do Mundo. Saiu porquê?"
Sílvio Barsetti
Saiu por causa dos problemas de saúde mesmo, ou porque a Fifa ameaçou divulgar o teor dos documentos da ISL que estão no poder da justiça? Isso daria muito mais dor de cabeça para ele. De repente ia nascer uma nova CPI, novos processos. Você saiu por causa disso? Ou por problemas de saúde e pressão da família? Ou tudo isso? Ele, para mim, ou tem problemas de saúde gravíssimo! Gravíssimo! Espero que não esteja... Ou então é alguma pressão extrema, como alguma coisa muito mais grave ia acontecer. Não é possível imaginar que o homem que dominou o futebol brasileiro vai sair faltando dois anos para a Copa do Mundo. Saiu porquê? Ah, eu quero viver em paz. Vou virar monge e vou estudar o budismo ou então estudar toda a obra de Alan Kardek e virar espírita.
Qual foi a sua matéria mais marcante nestes anos cobrindo a CBF?
Foi ter apontado a exclusão do Morumbi da Copa do Mundo. Tinha os componentes políticos muito fortes, mas também tinha os técnicos. Não sei qual foi o peso dos dois. Quando eu dei essa matéria no Estadão, no mesmo dia o Ministro dos Esportes, o prefeito de São Paulo, o governador e o presidente do São Paulo, o presidente do Comitê da Copa em São Paulo e o presidente Lula negaram. E a Fifa falou que não era bem assim.
A Fifa não negou?
Foi uma história maluca. Eles não confirmaram. Foi uma pressão danada de abril até julho, três meses até o Ricardo Teixeira anunciar que o Morumbi estava fora, durante a Copa da África do Sul. Era uma briga com o São Paulo. O Juvenal Juvêncio apoiava o Fábio Koff no Clube dos 13. O Ricardo Teixeira apoiava o Kleber Leite. Venceu o Fábio Koff. Eles já eram estremecidos. Mas aquele foi o ponto culminante.
Como é circular pelos bastidores da CBF?
Quando a CBF era no Centro do Rio, na Rua da Alfândega, até há nove anos atrás, era mais fácil. Você ficava ali embaixo na única entrada do prédio e via os dirigentes chegarem, os técnicos da Seleção Brasileira, e abordava as pessoas. Se quisessem falar, tudo bem. Teve um episódio em que o Ricardo Teixeira chegou e as pessoas gritavam: “ladrão, ladrão, ladrão”. Era uma coisa mais pessoal.
E a sede do "Estadão" aqui no Rio é ali do lado.
Para nós do "Estadão" era perfeito, eu ia à pé. A troca por esse bunker na Barra da Tijuca foi muito por isso. Lá ele entrava pela garagem subterrânea, pegava o elevador e ia até o andar da CBF, o nono. Muitas vezes você não sabia se ele ou se outra pessoa estava lá. Ficou mais difícil a cobertura. Você não tem acesso ao andar da CBF. Aquilo é um condomínio. Há pouco tempo colocaram poltronas e abriram pequenos bares e restaurantes. Antes, quando a CBF chegou, não tinha nada. O segurança não deixava nem sentar no meio-fio. Ficávamos em pé horas para esperar alguém. Nessa cobertura, às vezes uma aspas de um diretor ou de um assessor valia uma matéria. E ultimamente as informações estavam muito centralizadas pelo Ricardo Teixeira e pelo Rodrigo Paiva (assessor de imprensa da entidade).
Mas você não precisava estar sempre fisicamente ali, certo?
Sim, às vezes você liga para um funcionário, um dirigente com trânsito livre. É o jeito de tentar as coisas. Na maioria das vezes os comunicados oficiais não servem.
Aquela matéria da "Piauí" foi fundamental. Expôs ali uma arrogância e uma soberba que a gente da imprensa já conhecia. Mas ele se excedeu. "
Sílvio Barsetti
Como é que você avalia o papel da imprensa nessa saída do Ricardo Teixeira? Tivemos as denúncias da “Folha de S.Paulo“, o perfil da revista "Piauí"...
Aquela matéria da "Piauí" foi fundamental. Expôs ali uma arrogância e uma soberba que a gente da imprensa já conhecia. Mas ele se excedeu. Ele podia ter se controlado mais. Desprezou e tratou de forma debochada as críticas recebidas ao longo dos anos. A entrevista passou o declínio e foi muito importante para o processo de afastamento dele da CBF. Os jornais, principalmente os de São Paulo, sempre tiveram uma postura mais crítica. A "Folha" é uma coisa mais sistemática e matérias contínuas, e o "Estadão", sempre que havia informação, bancava.
Tinha esse papo de que a imprensa paulista batia muito no Ricardo Teixeira porque a CBF é no Rio.
Não vejo dessa forma. Não havia transparência, surgiram denúncias, tinha a discussão de que a CBF poderia dar outro tratamento aos clubes, fazer um pouco com eles o que ela faz com a Seleção. Houve as CPIs que expuseram o Ricardo Teixeira, que ele era acusado de sonegação fiscal, lavagem de dinheiro, depois os arquivos foram trancados e ele não foi condenado. Aquilo foi gerando uma agenda negativa. Somava-se a isso a imagem pública. Ele nunca fez questão de melhorar isso.
Na matéria da "Piauí" ele está de costas para um jardim belíssimo na Suíca, ia sempre nos mesmos restaurantes...
A construção do texto é belíssima. O João Havelange arquitetou a candidatura do Ricardo Teixeira por três anos. Tiveram encontros com os presidentes das federações. Ele queria um braço dele na CBF enquanto estivesse na Fifa, que era um braço dele. O Ricardo Teixeira é flamenguista, mas não vê jogo nos estádios. Ele passou pelo menos os últimos dez anos sem ir a um estádio no Brasil. Talvez tenha mais. Assistia só os jogos da Seleção Brasileira.
E as coisas boas que o Ricardo Teixeira deixou?
Duas Copas do Mundo, cinco Copas Américas, duas Copas das Confederações. Uma organização muito boa das seleções de base, a Granja Comary, a projeção da Seleção Brasileira. Agora, isso tudo, quando não há transparência, suspeitas graves, isso tudo acaba ofuscando essas conquistas. Se for olhar pela questão montetária, hoje a receita da CBF é de quase R$ 300 milhões por ano com patrocinadores. Fora o que a Seleção recebe nos amistosos.

Se não fosse o Teixeira, quem teria sido o comandante do futebol brasileiro nos últimos anos?
O Octávio Pinto Guimarães tinha certa idade, o Ricardo Teixeira tinha 41 anos quando assumiu a CBF. Não sei como seria. Talvez uma indefinição como é o quadro atual.
  Fonte: Globo Esporte

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